sexta-feira, junho 22

A arma do gerreiro sem braços

(...) Fortes e destemidos, parecem homens indomáveis, conforme vêm demonstrando na guerra que sustentam contra os espanhóis há 40 anos, sem parar. Para confirmar isto, vou apresentar apenas duas provas entre as muitas que me deram. Uma é de um capitão-índio aprisionado pelos espanhóis.

O capitão índio era muito famoso por ter cumprido seu dever com distinção no combate à invasão pelo inimigo europeu. Um dia, os espanhóis conseguiram feri-lo e capturá-lo. Em seguida, cortaram-lhe as mãos com a intenção de incapacitá-lo para a luta. Ele resistiu. Arrancaram-lhe os braços. Depois soltaram-no , para que os outros viessem a que se expunham se não se submetessem. O índio voltou para casa, com um desejo mortal de vingança por seus ferimentos. Mesmo sem as mãos, não descansou nem um minuto. Passou a usar a língua para defender a liberdade de sua nação e continuou lutando como sempre.

No meio dos combates, ele ajudava a expulsar os espanhóis recitando palavras de estímulo, incitando seus irmãos a não recuar, a não deixar os outros avançarem, nem mesmo sobre os seus cadáveres e, se necessário, a botar fogo na mata. Para o índio-capitão sem mãos, lutavam para manter as leis e valores a que estavam acostumados, os hábitos cultivados, aprendidos e ensinados por seus antepassados.

Acusando o inimigo de covarde, demonstrava a crueldade a que ficariam expostos, caso se rendessem, mostrando seus braços decepados na metade. O índio levantava os toquinhos que lhe restavam nos ombros e apontava para o seu irmão mais próximo, de quem tinham cortado meio pé, para que nunca mais conseguisse se firmar no lombo de um cavalo.

Para ele o inimigo fazia o que queria, porque estava convencido do medo dos nativos. Se os índios pagassem com a mesma moeda, arrancando os olhos ou cortando as pernas dos soldados, o inimigo pensaria duas vezes antes de voltar a agir com tamanha desumanidade. O capitão-índio repetia que o medo é o melhor parceiro da covardia.

Assim, o índio sem mãos passou a liderar seus companheiros durante as batalhas. Encorajava-os a lutar pelas suas vidas, pernas e braços. Elogiava e enaltecia os que tombavam feridos. Dizia ser preferível morrer um homem livre do que levar uma vida de servidão indigna, dando todo o fruto do seu suor para enriquecer os nobres...


A Viagem do Pirata, E. San Martin, Relato de Richard Hawkins, corsário de Sua Majestade a Rainha da Inglaterra durante sua viagem a costa do Chilhe 1593/1594.