"Tanto nossa alma como nosso corpo são compostos de elementos que já existiam na linhagem dos antepassados. O "novo" na alma individual é uma recombinação, variável até o infinito, de componentes extremamente antigos. Nosso corpo e nossa alma tem um caráter eminentemente históricos e não encontram no "realmente-novo-que-acaba-de-aparecer" lugar conveniente, isto é, os traços ancestrais só se encontram parcialmente realizados. Estamos longe de ter liquidado a Idade Média, A antiguidade, O primitivismo e de ter respondido as exigências de nossa pisique a respeito deles. Entrementes, somos lançados num jato de progresso que nos empurra para o futuro, com uma violência tanto mais selvagem quanto mais nos arranca de nossas raízes. Entretanto, se o antigo irrompe, é frequentemente anulado e é impossível deter o movimento para frente. Mas é precisamente a perda da relação com o passado, a perda das raízes, que cria um tal "mal-estar na civilização", a pressa que nos faz viver mais no futuro, com suas promessas quiméricas de idade de ouro, do que no presente, que o futuro da evolução histórica ainda não atingiu. Precipitamo-nos desenfreadamente para o novo, impelidos por um sentimento crescente de mal-estar, de descontentamento, de agitação. Não vivemos mais do que possuímos: porém de promessas; não vemos mais a luz do dia presente: porém perscrutamos a sombra do futuro, esperando a verdadeira alvorada. Não queremos entender que o melhor é sempre compensado pelo pior. A esperança de uma liberade maior é anulada pela escravidão do Estado, sem falar dos terríveis perigos aos quais nos expõem as brilhantes descobertas da ciência. Quanto menos compreendemos o que nossos pais e avós procuraram, tanto menos compreendemos a nós mesmo, e contrbuímos com todas as forças para arrancar o indivíduo de seus instintos e de suas raízes: transformado em partícula da massa, obedecendo somente ao que Nietzsche chamava de "espírito da gravidade".
É evidente que as reformas orientadas para frente, isto é, por novos métodos ou gadgets, trazem melhorias imediatas, mas logo se tornam problemáticas e ainda por cima custam muito caro . Não aumentam em nada o bem-estar, o contentamento, a felicidade em seu conjunto. Na maioria das vezes são suavizações passageiras da existência, como por exemplo, os processos de economizar tempo, que infelizmente só lhe precipita o ritimo, deixando-nos assim, cada vez, menos tempo. "Omnis festinatio ex parte diaboli est" (toda pressa vem do diabo), costumavam dizer os antigos mestres."
Carl Jung - Sonhos, Memórias e Reflexões
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