sexta-feira, março 28

A VIDA É SEMPRE MORTAL

"A vida assemelha-se um pouco a enfermidade, à medida que proceda por crises e deslizes e tem seus altos e baixos cotidianos. À diferença das outras moléstias, A VIDA É SEMPRE MORTAL. Não admite tratamento. (...) A vida atual está contaminada até as raízes. O homem usurpou o lugar das árvores e dos animais, contaminou o ar, limitou o espaço livre. Mas o pior está por vir. O triste e altivo animal pode descobrir e pôr a seu serviço outras forças da natureza. Paira no ar uma ameaça deste gênero. Prevê uma grande riqueza...no número de homens. Cada metro quadrado será ocupado por ele. QUEM SE LIVRARÁ DA FALTA DE AR E DE ESPAÇO? Sufoco só de pensar nisso! Infelizmente não é tudo.

Qualquer esforço para restabelecer a saúde será vão. Esta só poderá pertencer ao animal que conhece apenas o progressso do seu organismo. Desde o momento que a andorinha compreendeu que para ela não havia outra vida possível senão emigrando, o músculo que move suas asas engrossou-se, tornando-se a parte mais considerável do seu corpo. A toupeira enterrou-se e todo o seu organismo se conformou a essa necessidade. O cavalo avolumou-se e seus pés se transformaram em cascos. Desconhecemos as transformações por que passam outros animais, mas elas certamente existiram e nunca lhes puseram em risco a saúde.

O homem, porém, este animal de óculos, ao contrário, inventa artefatos alheios a seu corpo, se há nobreza e valor em quem os inventa, quase sempre falta ao quem os usa. Os artefatos se compram, se vendem, se roubam, e o homem se torna cada vez mais astuto e fraco. Compreende-se mesmo que a astúcia cresça na proporção de sua fraqueza. Suas máquinas pareciam prolongamentos dos seus braço e só podiam ser eficazes em função de sua própria força, mas, hoje, o atefato já não guarda nenhuma relação com os membros. E é o artefato que cria a moléstia por abandonar a lei que foi criadora de tudo que há na Terra. A LEI DO MAIS FORTE DESAPARECEU E PERDEMOS A SELEÇÃO SALUTAR.

TALVEZ POR MEIO DE UMA CATÁSTROFE INAUDITA, PROVOCADA PELOS ARTEFATOS, HAVEREMOS DE RETORNAR A SAÚDE. Quando os gases venenosos já não bastarem, um homem feito como todos os outros, no segredo de uma câmara qualquer neste mundo, inventará um explosivo incomparável, diante do qual os explosivos de hoje serão considerados simples brincadeiras inócuas. E um outro homem, também feito da mesma forma que os outros, mas um pouco mais insano que os demais, roubará este explosivo e penetrará até o centro da Terra para pô-lo no ponto em que seu efeito possa ser o máximo. HAVERÁ UMA EXPLOSÃO ENORME QUE NINGUÉM OUVIRÁ, E A TERRA, RETORNANDO À SUA FORMA ORIGINAL NEBULOSA, ERRARÁ PELOS CÉUS, LIVRE DOS PARASITOS E DAS ENFERMIDADES"

Italo Svevo, Consciência de Zeno

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