sexta-feira, agosto 26

Da Relação dos Homens com os Animais


Interessante ...
Abraços e um ótimo fim de semana,


Da Relação dos Homens com os Animais
Por La Rochefoucauld


Há tantas espécies de homens quantas de animais, e são os homens para os outros homens o que as diferentes espécies de animais são entre si, e uma para as outras:

Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes!
Uns, como tigres, são sempre bravios e cruéis;
Outros como leões, guardam certa aparência de generosidade;
Outros, como ursos, são ávidos e grosseiros;
Outros como lobos, são raptores impiedosos;
Outros como raposas, vivem de sua indústria, têm por ofício lograr.
Quantos homens não têm parte com os cães! Destroem sua própria espécie, caçam para o prazer de quem lhes dá de comer, às vezes, seguem os donos, outras lhe guardam a casa.

Há lebréus de guerra que devem a vida ao próprio valor, que têm nobreza na coragem;
Há dogues encarniçados que só o furor têm por qualidade;
Há cães menos ou mais inúteis que ladram sempre e só às vezes mordem.
Há mesmo os cães de guarda que nem comem o que é do dono nem deixam os outros comerem.
Há símios e macacas que agradam pelas maneiras, que têm o espírito e fazem o mal;
Há pavões que só beleza têm, cujo canto desagrada e que destroem o lugar onde habitam.
Há pássaros que só se recomendam pela plumagem e pelas cores.
Quantos papagaios não falam sem cessar e nunca ouvem o que dizem;
Quantas pegas e gralhas não se deixam amansar para melhor furtar;
Quantas aves de rapina não vivem só da rapina;
Quantas espécies de animais pacíficos e tranquilos não servem só de comida aos outros animais!
Há gatos, sempre a espreita, maliciosos e infiéis, que têm pata de veludo;
Há víboras de língua venenosa cujo o restante tem emprego, há aranhas, moscas, pulgas e percevejos sempre incômodos e insuportáveis;

Há sapos que só dão pavor e veneno;
Há corujas que temem a luz.
Quantos animais não vivem debaixo da terra somente para se preservar!
Quantos cavalos não empregamos em tantas coisas e não abandonamos quando já não servem;
Quantos bois não trabalham a vida toda para enriquecer aquele que lhe impõe o julgo;
Quantas cigarras que passam a vida a cantar;
Lebres que de tudo têm medo;
Coelhos que se assustam e sossegam no prisco;
Porcos que vivem na devassidão e no lixo;
Canários domesticados que logram seus semelhantes e os atraem para rede;
Corvos e abutres que só vivem da podridão e corpos mortos!
Quantas aves de arribação vão de um mundo para outro e se expõem a perigos em busca da vida!
Quantas andorinhas sempre à procura de um bom tempo;
Besouros irrefletidos e sem rumo...
Borboletas que anseiam pelo fogo que as queima;
Abelhas que respeitam a rainha e com a regra se mantêm!
Quantos zangões errantes e preguiçosos que procuram se estabelecer as expensas das abelhas!
Quantas formigas cuja a previdência e economia lhes alivia as necessidades!
Quantos crocodilos que fingem derramar lágrimas para devorar quem com elas se comove!
E quantos animais subjugados porque ignoram sua força!




Da obra: Máximas e Reflexões, La Rochefoucauld, Editora Imago

quarta-feira, agosto 24

Da Conversação


O que faz que tão poucos sejam agradáveis na conversação é que cada qual pensa mais no que quer dizer do que no que dizem os outros. É preciso que escutemos os que falam, se quisermos ser escutados, é preciso dar-lhes a liberdade de se fazerem ouvir, e mesmo de dizerem coisas inúteis. Em lugar de os contradizer ou interromper, como sempre fazemos, devemos, ao contrário, mostrar que ouvimos, falar-lhes do que lhes interessa, louvar o que dizem, se merecer ser louvado, dar mostras de que é antes por escolha do que por complacência que louvamos. É preciso evitar contestar coisas indiferentes, raramente fazer perguntas, que são quase sempre inúteis, nunca deixar supor que pretendemos ter mais razão do que os outros e ceder com desenvoltura a vantagem da decisão.

Devemos dizer coisas naturais, fáceis e menos ou mais sérias segundo o humor e inclinação das pessoas com quem nos entretemos, não apressá-las a aprovar o que dizemos e nem mesmo a nos responder. Quando assim tivermos satisfeito os deveres da polidez, podemos falar de sentimentos, sem prevenção nem teimosia, deixando transparecer que buscamos apoiados na opinião de quem ouve.

É preciso evitar falar longamente de si mesmo e tomar-se como exemplo com freqüência. Não é de somenos o cuidado de conhecer a inclinação e o alcance daqueles com quem falamos, para fazer coro com o espírito de quem o tem mais que nós e para somar suas opiniões às nossas, deixando-os pensar, o mais possível, que é deles que as emprestamos. É hábito não esgotar os assuntos de que se trata e deixar que os outros tenham sempre algo a pensar e a dizer.

Nunca devemos falar com ares de autoridade, nem nos servirmos de palavras e termos maiores do que as coisas. Podemos manter nossas opiniões, se forem razoáveis, mas nunca, ao mantê-las, ferir os sentimentos dos outros, nem parecer chocados com o que dizem. É perigoso querer dominar a conversação e falar demasiadamente da mesma coisa; devemos entrar indiferentemente em todos os assuntos agradáveis que se apresentem, sem mostrar nunca que desejamos levar a conversa para o que temos vontade de dizer.


É  necessário observar que toda espécie de conversação, por honesta e espiritual que seja, não é igualmente própria para toda espécie de pessoas honestas: é preciso escolher o que convém a cada uma e escolher mesmo o momento de dizê-lo; se há arte em saber falar com propósito, não há menos arte em saber calar. Há um silêncio que é eloqüente: ele serve às vezes para aprovar e para condenar; há um silêncio que é mofa; há um silêncio respeitoso. Há, enfim, ares, tons e maneiras que fazem amiúde o agradável e o desagradável, o delicado e o chocante na conversação; o segredo para bem empregá-los é de poucos conhecido e enganam-se por vezes mesmo os que ditam as regras, as mais certa das quais, parece-me, é não ter nenhuma que não possa ser modificada,  é antes aparentar negligência que afetação no que se diz, é escutar, não falar e nunca forçar-se a falar.


Da obra: Máximas e Reflexões, La Rochefoucauld, Editora Imago


sexta-feira, agosto 19

Contemplando as ruínas


Agradecendo por mais um dia...
Um ótimo fim de semana!
Abraço,

"Memento mori"
" As ruínas falam da tolice que é abrir mão de nossa paz de espírito em nome das recompensas instáveis do poder terreno.
As ruínas nos convidam a "renunciar" a nossas lutas e a nossas imagens de perfeição e satisfação. Elas nos lembram de que não podemos desafiar o tempo e que somos joguete de forças de destruição que na melhor das hipóteses podem ser mantidas ao largo, mas jamais derrotadas. Podemos desfrutar de vitórias locais, alguns anos em que somos capazes de impor alguma ordem ao caos, mas tudo está destinado a ser derramado de volta à sopa primordial. Se essa perspectiva tem o poder de consolar, é talvez porque a maior parte de nossas angústias provém de um senso EXAGERADO da importância dos nossos projetos e preocupações. Somos torturados por nossos ideais e por um senso punitivamente arrogante da gravidade do que estamos fazendo.
Do ponto de vista da eternidade, muito pouco do que nos perturba tem importância. "

Alain de Botton
Da obra: Desejo de Status

quinta-feira, agosto 18

A Queda

Todos somos como pequenas estrelas…


"Uma estrela se autoconsome para existir"
Marcelo Gleiser

A Dança do Universo



" O primeiro trem faz tinir a sua campainha no ar úmido e toca a alvorada da vida na extremidade desta Europa, onde, no mesmo momento, centenas de milhões de homens, arrancam-se penosamente da cama, com a boca amarga, a fim de irem para o trabalho sem alegria. Então, planando em pensamento por cima de todo este continente que me é subordinado sem saber; bebendo a luz de absinto que se eleva, ébrio, enfim de palavras más, sou feliz, sou feliz, estou lhe dizendo, proíbo-o de não acreditar que sou feliz, que morro de felicidade!
Ah, sol, praias, e as ilhas sob os alísios, juventude cuja a lembrança desespera!"

Albert Camus

Da obra: A Queda

sexta-feira, agosto 12

Há quem viveu muito e não viveu

"Aproveitem" a vida !
Abraços,


" Qualquer que seja a duração da vossa vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na duração e sim no emprego que lhe dais. Há quem viveu muito e não viveu. Meditai sobre isso enquanto o podeis fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, terdes vivido bastante"

Montaigne

Ensaios

"Pensas que cada dia é teu último, e aceitarás com gratidão aquele que não mais esperava"

Horácio, Poeta Romano 65-8 aC


Personalidade em Mosaico ou Fragmentos de Personas

Numa cidade qualquer, num dia qualquer de um tempo medido apenas cronologicamente, ele se levanta.
Acorda para mais um dia e olha para seu cabide imaginário de personas pensando qual fantasia vestirá hoje.

Nesse mundo globalizado e sem fronteiras, ele acha melhor assim.

Se "veste" conforme a ocasião, age como crê que gostariam que agisse e sobrevive sendo apenas mais um na multidão, não sendo notado, só mais um rosto indiscernível no meio de tantos iguais.

Ele já foi diferente, já sonhou e viu seus castelos de areia desaparecerem em marés cíclicas e incontroláveis, já lutou Quixotescamente com moinhos de vento e viu suas quimeras desaparecerem em Brumas.

Ele precisa sobreviver. Para isso abre mão de vivenciar suas idéias, seus pensamentos, suas convicções. O preço de ser diferente é muito alto e seu cacife se esgotou, ele agora é apenas um jogador passivo que não aposta mais nada e sequer blefa ...

Sonhos não alimentam o corpo e a alma ele já perdeu leiloada por migalhas há tempos.
Que bom que existem suas personas !

Ele finge ser quem quiser e os outros acreditam (ou fingem que) num simbiótico e prático acordo.


Para que arriscar ser real se tudo é de mentira ?


Assim ele finge que é feliz e pode ser tudo que quiser, pode até querer ser feliz mesmo, num mosaico de fantasias e realidade entrelaçadas e confundidas. Nada é exatamente o que parece ser, mas também para que "ser" se o "estar", transitório e impermanente pode oscilar ao sabor da maré e trazer resultados mais práticos e bem menos dolorosos.

Hoje, ele definitivamente deixa de sonhar com um mundo diferente e seu último fragmento de alma, um literal fio de esperança, se solta desaparecendo para sempre.

Agora ele é irreversivelmente mais um da tribo dos sem-alma, vivendo em festas à fantasia com trajes previamente escolhidos pelos anfitriões de sua subsistência.

Hoje mais uma estrela se apagou e o mundo tornou-se ainda mais escuro

Leornado Andrade, poeta e amigo

sexta-feira, agosto 5

O grande propósito da vida humana

 
Bom fim de semana !!!
Abraços a todos


"Beatus ergo est iudicii rectus, beatus est praesentibus qualiacumque sunt contentus amicusque rebus suis; beatus est is cui omnem habitum rerum suarum ratio commendat"

...

" É feliz, portanto, quem tem um juízo reto; é feliz quem está contente com sua sorte atual, seja ela qual for e ama o que tem; é feliz aquele para quem a razão é que faz valer todas as coisas de sua vida "

Sêneca

Sobre a Vida Feliz



"Que propósito tem toda a labuta e a afobação deste mundo? Qual a finalidade da avareza e da ambição, da busca de poder e preeminência? Será suprir as necessidades da natureza? O salário do trabalhador mais medíocre pode supri-las. Quais são, então, as vantagens desse grande propósito da vida humana que chamamos de melhorar nossas condições?"

Adam Smith
Teoria dos Sentimentos Morais

quarta-feira, agosto 3

Da incoerência de nossas ações

Just think it over ….

Abração


"Porquê sou do tamanho do que vejo e não do tamanho de minha altura"
Fernando Pessoa
Da Obra: O Livro do Desassossego


(...) Nossa maneira habitual de fazer está em seguir os nossos impulsos instintivos para a direita ou para a esquerda, para cima ou para baixo, segundo as circunstâncias. Só pensamos no que queremos no próprio instante em que o queremos, e mudamos de vontade como muda de cor o camaleão. O que nos propomos em dado momento, mudamos em seguida e voltamos atrás, e tudo não passa de oscilação e inconstância:

“Somos conduzidos como títeres que o fio manobra” (Horácio).

Não vamos, somos levados como objetos que flutuam, ora devagar, ora com violência, segundo o vento:

Acaso não vemos todo mundo indeciso; uns procurando sem descontinuar, outros mudando de lugar, como para largar uma carga pesada demais?”(Lucrécio).

Cada dia nova fantasia, e movem-se as nossas paixões de acordo com o tempo:

“o pensamento dos homens assemelha-se na terra aos cambiantes raios de luz com que Júpiter a fecunda”(Cícero).


Hesitamos em tomar partido; nada decidimos livremente, de maneira absoluta, coerente.

Michel Montaigne (1533-1592)
Da Obra: Ensaios

segunda-feira, agosto 1

Silêncio


Bem aventurados os que tem a coragem de enfrentar a si mesmos...e aos seus fantasmas... Um abraço para um grande amigo e poeta.



Silêncio

O silêncio incomoda.
Porta voz não-nomeado dos meus pensamentos, sussurra-os, como se tentasse materializa-los e realizar o que minha covardia impediu.
Engasgado , grita aos quatro ventos todas as palavras não ditas por mim, por medo ou omissão.
Maldosamente gentil, convida meus fantasmas para uma reunião íntima no escuro e incita-os a me assombrar.
Senhor das entrelinhas e dos espaços vazios, explora-os ao máximo, preenchendo-os com dúvidas e incertezas.
Companheiro de nostalgia da solidão, ensina-nos verdades que só podem ser ditas fazendo trio com a escuridão.
O silêncio fere.
Açoita.
Tortura.
Dilacera.
Liberta a imaginação em um vale sem fim, dando-lhe asas coladas com cera e não prepara para a inevitável queda.
O silêncio é tudo que não preciso.
Quebre-o , afaste-o, vença-o e fale comigo.
Fale sobre as noites de solidão, sobre os castelos nos ar que nunca tiveram alicerces.
Fale sobre as quimeras, os planos vãos que jamais tiveram a pretensão de se realizar, os desvãos, Fale sobre as estrelas que ainda brilham mesmo já estando mortas.
Fale sobre nossos antigos e êfemeros sonhos febris, sobre nosso desejos que se evaporavam ao amanhecer e sobre a magia noturna que não resistia a realidade dos primeiros raios de sol.
Fale sobre o inexorável e infinito rio das mágoas, sobre a lenta e constante dor que insiste e persiste em habitar nossas almas.
Fale do ódio, tão oposto e tão próximo quanto possívl do amor, do outro lado da moeda, da porta que se deve manter fechada, dos cadáveres putrefados no armário.
Fale do filho que jamais irá nascer, da casa que nunca irá habitar, do lar que não terá.
Fale dos orgasmos vazios e solitários, do lado inabitado da cama de casal.
Fale das pragas e maldições que conjurar, do seu lado sado-masoquista de insistir em saber de vidas que não mais se entrelaçam com a sua e provavelmente sequer lembram de sua existência.
Fale qualquer coisa, mas fale, pois as palavras, quaisquer que sejam ferem muito menos que o silêncio ....

Leonardo Andrade