quarta-feira, setembro 1

Diabólico Acaso!


“ Diabólico acaso! Jamais te amaldiçoei por teres surgido, amaldiçôo-te porque, em absoluto não te mostras. Ou será uma nova invenção Tua, ser surpreendente, estéril mãe de tudo, única coisa que resta dessa época em que a necessidade deu à luz a liberdade, e em que a liberdade se deixou iludir para retornar ao seio da mãe? Diabólico acaso! Tu, meu único confidente, único ser que julgo digno de ser meu aliado e meu inimigo, sempre idêntico a despeito de tuas diferenças, sempre inconcebível, sempre um enigma! Tu, a quem amo com toda minha alma admiradora, tu, cuja imagem e semelhança criei a mim próprio, porque não apareces? Não mendigo, não te suplico modestamente que te mostres desta ou daquela forma, porque tal culto seria uma idolatria, e pouco agradável para ti. Desafio-te ao combate; por que não te mostras? Ou será que parou o pêndulo do mundo? Será que foi resolvido o teu enigma e te lançaste, tu também, nas águas do eterno? Terrível pensamento! O mundo de aborrecimento ficaria parado! Demoníaco acaso! Eu te espero. Não pretendo vencer-te com princípios, nem com isso a que os imbecis chamam caráter; não, eu quero sonhar-te! Não quero ser um poeta para os outros; mostra-te, pois em sonhos te crio, e devorarei o meu próprio poema, será esse meu único alimento. Ou me considerarás indigno? Como a bailarina que dança para a glória do seu Deus, me consagrei a teu serviço; leve no corpo e no vestir, ágil, desarmado, renuncio a tudo; nada possuo, nada desejo possuir; nada amo, nada tenho a perder mas, graças a isso, não me terei tornado digno de ti, de ti que, sem dúvida, já de há muito te cansaste de arrancar aos homens o que eles amam, enfadado com seus suspiros e suas covardes orações? Surpreende-me, estou pronto, lutemos, não por um prêmio, apenas pela honra.”

Soren Kierkegaard, Diário de um Sedutor








quinta-feira, dezembro 3

A liberdade do sátiro !

“Atrás, o sátiro saltitando
Com o pé de cabra, perna esticando,
Fina e nervosa se mostrando
Com a camurça, no monte à solta,
Ele diverte-se, olhando em volta.
Ébrio de ar livre, de penha em penha,
Homem, mulher, menino desdenha
Que lá no fundo do vale morto
Julgam ser vida o seu conforto:
Mas só a ele, puro, intocado,
Pertence o mundo lá no alto.”


Goethe, Fausto










Tu tremes com medo do que nunca virá

Antes, em vôo ousado, a imaginação

Subia até aos céus, plena de alento:

Hoje basta um espaço para a ilusão

Se afundar nos abismos do tempo.

Logo o cuidado se aninha bem dentro

Do peito e traz secreto sofrimento;

Balança inquieto, estorva prazer e paz,

São sempre novas as máscaras que traz:

É casa e bens, mulher e filhos que tiverdes,

Água, fogo, punhal, veneno, eu sei lá;

E tu tremes com medo do que nunca virá,

E choras sem cessar aquilo que não perdes.”




Gothe, Fausto




domingo, setembro 27

Desse turbilhão tamanho!

"Se desse turbilhão tamanho
Me tirou som doce e antigo,
Com felizes eco de antanho
Crenças infantis iludindo,
Maldigo hoje tudo o que enreda
A alma em falsa sedução
E com lisonja a cega e encerra
Neste antro de desolação.
Maldita seja a douta opinião
Em que a si próprio o espírito se enleia!
Maldita da aparência a ilusão
Que todos os sentidos incendeia!
Maldito o que no sonho é hipocrisia
Da glória o logro, e dos nomes afamados!
Maldita a posse, que nos lisonjeia,
De mulher, filhos, charrua, criados!
Maldito seja Mamon e o ouro
Com que nos leva ações desvairadas,
E nos entrega ao ócio duradouro,
Ajeitando-nos bem as almofadas!
Maldita do amor a bem-aventurança!
Maldita da uva a suma essência!
Maldita a fé e maldita a esperança!
E maldita mil vezes a paciência!"

Fausto, Gothe

terça-feira, setembro 1

Putrefação que caminha

"Oh! a carne, estrume vivo e sedutor, putrefação que caminha, que pensa, que fala, olha e sorri, onde os alimentos fermentam, e que é rósea, bela, tentadora, mentirosa como a alma"

Guy de Maupassant, Um caso de divórcio

terça-feira, agosto 25

Os olhos abertos e cegos do homem,

 

“ Eu vivia como todo mundo, vendo a vida com os olhos abertos e cegos do homem, sem me espantar e sem compreender. Vivia como vivem os animais, como vivemos todos, cumprindo todas as funções da existência, observando e acreditando ver, acreditando saber, acreditando conhecer o que nos cerca, quando, um dia, me dei conta de que tudo é falso.”

 

Guy de  Maupassant, Carta de um louco

quinta-feira, agosto 6

A modelo

 

“ Quem então pode determinar de maneira precisa o que existe de aspereza e o que existe de real na atitude das mulheres?  Elas são sempre sinceras numa eterna mudança de impressões. São arrebatadas, criminosas, devotadas, admiráveis, e vis, para obedecer incompreensíveis emoções. Mentem sem parar, sem querer, sem entender, e têm, com isso, e apesar disso, uma franqueza absoluta de sensações e sentimentos que afirmam através de resoluções violentas, inesperadas, inexplicáveis, que desconcertam nossos raciocínios, nossos hábitos de ponderação e todos os códigos egoístas. O imprevisto e a brusquidão de suas determinações fazem com que permaneçam para nós como enigmas indecifráveis. Perguntamo-nos sempre: elas sinceras ou são falsas? ”

 

Guy de Maupassant, O Modelo