quarta-feira, dezembro 26

O vício não está nas coisas

"O vício não está nas coisas, está na própria alma. O mesmo defeito que nos faz achar insuportável a pobreza também faz com que achemos a riqueza. Podes deitar um enfermo em um leito de madeira ou num leito de ouro, não há alteração, por onde quer que o leves ele levará consigo a sua enfermidade; do mesmo modo nada de altera se uma alma doente viver na riqueza ou na pobreza; o seu vicio irá segui-lo sempre."

Seneca, Cartas a Lucílio

O imperativo da Fortuna *

" Pois eis que um povo domina, outro sucumbe conforme os caprichos da Fortuna, serpente que na relva da campina se esconde. Contra ela, de nada valem o vosso poder e vosso querer; (...) Vai provendo as suas mudanças sem cessar jamais, pois ser veloz é o imperativo da Fortuna. É por isso que, no mundo, a sorte muda tão rapidamente. Tal é a Fortuna, amiúde insultada com censuras injustas, mesmo por aquele que teriam razões para louvá-la. Feliz, porém, nada disso ela escuta. Primitiva como as criaturas originais, basta-lhe ser como é."

Dante, A Divina Comédia, Canto 7

* fortuna
do Lat. fortuna, sorte
s. f.,
divindade que, na crença dos antigos, fazia, a seu capricho, a felicidade ou a infelicidade;
o que sucede por acaso;
azar;
destino;
sorte;
ventura;
revés da sorte;
sucesso;
êxito;
riqueza, haveres.

Da Fragilidade

"De tudo que a terra produz, o homem é o mais frágil, mas frágil de todos os que respiram, mais frágil que répteis"

Homero, A Odisséia, Canto 18

terça-feira, dezembro 18

É contra mim que luto

É contra mim que luto.

Não tenho outro inimigo.

O que penso, o que sinto,

o que digo, e o que faço,

é que pede castigo

e desespera a lança no

meu braço.

Absurda aliança de

criança e adulto,

o que sou é um insulto

ao que não sou;

e combato esse vulto que

à traição me invadiu e me

ocupou.

Infeliz com loucura e sem loucura,

peço à vida outra vida,

outra aventura,

outro incerto destino.

Não me dou por vencido,

nem convencido.

E agrido em mim o homem e o menino.

Miguel Torga

Sobre o(a) autor(a):
Pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha (1907-1995), português.
Formado médico, este escritor passeou pela poesia, prosa, ficção, drama e fez um romance autobiográfico.
Escritor independente, sem escola.