sexta-feira, julho 24

Quantas coisas poderíamos ainda descobrir ao nosso redor

“Tudo o que nos cerca, tudo o que vemos sem olhar, tudo o que roçamos sem conhecer, tudo o que tocamos sem apalpar, tudo o que encontramos sem distinguir, exerce sobre nós, sobre nossos órgãos e, através deles, sobre nossas idéias, sobre nosso próprio coração, efeitos rápidos, surpreendentes e inexplicáveis. Como é profundo esse mistério do Invisível! Não conseguimos sondá-lo com nossos sentidos miseráveis, com nossos olhos que não sabem perceber nem o muito pequeno nem o muito grande, nem o muito perto nem o muito longe, nem os habitantes de uma estrela, nem os habitantes de uma gota d'água... com nossos ouvidos que nos enganam, pois nos transmitem as vibrações do ar em notas sonoras, são fadas que fazem o milagre de transformar em ruído o movimento e por tal metamorfose fazem nascer a música, que torna cantante a agitação muda da natureza... com nosso olfato, mais fraco do que o do cão... com nosso paladar, que mal consegue determinar a idade de um vinho! Ah! Se tivéssemos outros órgãos que realizassem a nosso favor outros milagres, quantas coisas poderíamos ainda descobrir ao nosso redor!”

 

Guy de Maupassant,  O Horla

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, julho 21

Pelos mesmos hábitos, pelas mesmas crenças, pela mesma náusea

“ Já não posso nem chegar perto das pessoas que antes eu encontrava com prazer, de tanto que as conheço, de tanto que sei o que vão me dizer e o que vou responder, de tanto que já vi o molde de seus pensamentos invariáveis, o vinco de seus argumentos. Cada cérebro é como um circo onde um pobre cavalo circula eternamente encerrado. Não importam quais sejam nossos esforços, nossos desvios, nossos subterfúgios, o limite está sempre próximo e arredondado de maneira contínua, sem saídas imprevistas e sem portas para o desconhecido. É preciso dar voltas, dar voltas sempre, pelas mesmas idéias, pelas mesmas alegrias, pelas mesmas brincadeiras, pelos mesmos hábitos, pelas mesmas crenças, pela mesma náusea.”  

 

Guy de Maupassant, Suicídios

 

sexta-feira, julho 10

Horário Comercial

“Acidade estava povoada por sonolentos acordados que só escapavam realmente ao seu destino nos raros momentos em que, de noite, sua ferida aparentemente fechada se reabria bruscamente. E, despertados em sobressalto, apalpavam então, distraídos, os bordos irritados dessa ferida, redescobrindo num lampejo seu sofrimento, subitamente rejuvenescido e com ele, a imagem perturbada do seu amor. De manhã, voltavam ao flagelo, quer dizer, à rotina.”

 

 Albert Camus, da Obra : A Peste