sábado, março 24

Do que só pode florescer quando é livre e espontâneo

"Nunca me liguei a grande ceita,
Cuja a doutrina é: escolhe tua eleita,
Dentre a multidão, para amiga ou amante,
E todas as outras, mesmo a bondosa, e a brilhante,
Esquece de vez; seja êste o código, embora,
Da moral moderna e estrada a fora,
Dos pobres escravos, a passos tardos percorrida,
Que vão para casa, entre a massa falecida,
Pelos amplos caminhos do mundo, e desta forma azada,
Levando da corrente o amigo, ou talvez a inimiga malvada,
Cobrem a mais longa e penosa caminhada"

Percy Bysshe Shelley

Citação do livro de Bertrand Russell,
O Casamento e a Moral

domingo, março 18

Sobre o mal uso do verbo precisar e desejar ...



Desejos e necessidades

" (...) Pois no nosso globo temos cerca de mil sentidos, e resta-nos ainda não sei que de vago desejo, não sei que de inquietação, que incessantemente nos adverte do pouco que nós somos e de que existem seres muito mais perfeitos. Tenho viajado um pouco; vi mortais muito abaixo de nós; vi-os muito superiores; mas nenhum que não tivesse mais desejos que verdadeiras necessidades, e mais necessidades que satisfação. Talvez chege um dia ao país onde não falte nada; mas desse país até agora ninguém me deu notícias. "

Voltaire, Micromegas

terça-feira, março 13

Sem sentido

Então tudo começa

Meus olhos encontram o absurdo.

Pseudo urgências fazem alarde.

Levantei-me sem ter sentido.

O espelho ofereçe-me seu logro.

A consistência fluida da água corrente me escapa por entre os dedos.

Perdi no ralo da pia os propósitos, os motivos e os objetivos.

Abro a armário e escolho uma fantasia.

Mastigo mecanicamente algo com gosto de nada.

Saio sem ter sentido.

Acendem-se as luzes, abrem-se as cortinas do mundo.

Tudo se move mas não se desloca.

Sim ouço a música, mas onde está o maestro?

Todos tocam a esmo.

Busco meu lugar na orquestra, olho a partitura.

Não entendo,

Para mim parece sem sentido.

quarta-feira, março 7

Nem a ternura fulgaz desses belos olhos, nem os ruídos da rua, nem a claridade titubeante do amanhecer!

 Cada instante só surge para trazer os que se seguem. Apego-me a cada instante com todo o meu coração: sei que é único; insubstituível, e no entanto não faria um gesto para impedi-lo de se aniquilar. Esse último minuto que passo em Berlim, em Londres, nos braços de uma mulher que conheci na antevéspera, minuto que amo desesperadamente, vai terminar eu sei.  Não tornarei a encontrar essa mulher, nem essa noite nunca mais. Debruço-me sobre cada segundo, tento esgotá-lo; nada se passa que eu não capte, não fixe para sempre em mim, nada, nem a ternura fulgaz desses belos olhos, nem os ruídos da rua, nem a claridade titubeante do amanhecer: e no entanto o minuto se esgota e não o retenho, gosto que passe

A NÁUSEA

Jean Paul Sartre