quarta-feira, dezembro 28

Velejar em sonhos


" Imaginar-se rumando para o melhor sucede, num primeiro momento, apenas interiormente. É um indicativo de quanta juventude reside no ser humano. O que caracteriza o amplo espaço da vida ainda aberta e ainda incerta é a possibilidade de velejar em sonhos, muitas vezes do tipo totalmente sem base na realidade. (...) Aquilo que agora é pântano pode ser drenado. Redobrando-se a coragem e o saber, o futuro não virá como fatalidade sobre o ser humano, mas o ser humano virá sobre o futuro e ingressará nele com o que é seu "


Ernest Bloch, O princípio esperança


Feliz Novo Ano !

sexta-feira, dezembro 23

Natal: dia normal no Lixão de Babi


Fonte: Jornal Q!, 22/12/2005
 
Natal: dia normal no Lixão de Babi
Cestas do Natal Sem Fome não fazem a festa de quem vive no lixo, entre porcos e urubus

O odor, a sujeira e milhares de moscas ao redor não impedem que a dona de casa Maria Luiza Marques deixe as sandálias na porta, antes de entrar em seu barraco de madeira. O espaço tem pouco mais de quatro metros quadrados e o chão de barro limpo, em contraste com as toneladas de lixo produzidas pela população de Belford Roxo e jogadas à sua porta diariamente. Amanhã, Maria Luiza e sua família irão receber uma das cestas doadas pela campanha Natal Sem Fome. A chegada da comida é bem-vinda, mas não representa festa. "O Natal pra mim vai ser como um dia qualquer", resume, sem emoção.

Localizado em Belford Roxo, o Lixão Babi, onde Maria Luiza vive há cinco anos, é considerado o pior bolsão de miséria entre as comunidades atendidas pelo Natal Sem Fome no Rio. Com cinco filhos e o marido desempregado, Maria – que aparenta bem mais que seus 35 anos – sobrevive do que arrecada nos rejeitos. "Quando vem um pãozinho embalado e eu vejo que não está estragado, dou para as crianças", diz.

A situação é a mesma para as demais 30 famílias que moram ali e disputam com outros catadores garrafas, latas e papelão, vendidos para reciclagem. Solange da Silva Izidoro, 50, mudou-se para lá há 10 anos. Com sete filhos e grávida do oitavo, arrecada cerca de R$ 50 por semana, renda completada com o salário de motorista do marido. "A gente se mudou para cá porque não tinha como pagar aluguel. Aqui a gente também não paga água nem luz", explica.

Solange não se lembra em quem votou nas últimas eleições para presidente. Questionada se foi ou não no presidente Lula, diz: "Acho que talvez tenha sido nesse aí. Mas até agora acho que não mudou muita coisa, não é?".

O contato direto com o lixo e bichos como porcos e urubus, além das moscas, reflete-se na pele das crianças e das mães, cobertas por micoses e feridas. "Isso é normal, não é nada demais, não. O importante é que as crianças têm saúde", diz Solange, uma das moradoras que consegue manter os filhos na escola.

A costureira Mônica Valéria Barata, 38, é uma das voluntárias que se mobilizam anualmente para juntar as cestas na ONG Ação da Cidadania e levá-las para os moradores do lixão. "O problema é que nunca é suficiente. Eu dou prioridade aos que moram aqui. Quando acaba, as pessoas choram, mostram os filhos com fome. A gente se sente um nada", lamenta. Amanhã ela e a tia distribuirão insuficientes 160 cestas no lixão. Ao contrário do que se poderia esperar, a notícia da entrega não gera reações entusiasmadas. "Natal não é nada demais. O importante é que minha família vai ter o que comer", diz Marinete Ferreira, 60. - JAIME GONÇALVES FILHO
 
Brincadeiras no lixo

Embrenhado no interior da Baixada Fluminense e a poucos quilômetros do Rio, o Lixão Babi ocupa um espaço de 80 km² e recebe todos os dias o lixo produzido por aproximadamente 500 mil pessoas, população de um dos municípios mais pobres e violentos e do estado: Belford Roxo. O lugar é um dos 67 lixões que existem no estado, nos quais trabalham 2.762 famílias segundo pesquisa da Pastoral de Aterros Sanitários da Arquidiocese de Niterói. De acordo com o levantamento, são despejadas cerca de 200 toneladas de lixo por dia sem qualquer tratamento.

Em Belford Roxo, o ambiente é desolador. As pessoas catam e põem na boca qualquer alimento que encontram. Os restos de alimentos são disputados também por cachorros, porcos e bois. "É de cortar o coração, você ver crianças comendo alimentos mofados e molhados nesse lugar imundo", diz Mônica Valéria, uma das voluntárias do Natal Sem Fome.

No verão, com sol forte, o cheiro azedo do lixo se acentua; com a chuva, as valas feitas para escorrer o chorume do lixo transbordam e alagam as ruas já cheias de lama. "As crianças chegam à escola fedendo. Aí ninguém quer ir", diz a catadora Solange da Silva Izidora. Em meio à dureza do cotidiano, há espaço para brincadeiras. Cabeças de bonecas servem de brinquedos. E um rapaz saca do lixo uma máquina fotográfica velha e finge fotografar a equipe.
 
Eu só preciso de paz

Em época de festas e consumo desenfreado, era de se esperar que os mais necessitados nutrissem sonhos imensos. Não é o que acontece com a população do Lixão Babi. Nenhuma das pessoas ouvidas pela reportagem do Q! disse ambicionar bens materiais. O ex-vigia Valtenci dos Santos, 63, sonha alto, mas coletivamente. "Tudo que me falta é paz. Só isso", conta, depois de dizer que há 8 anos é catador do lixão. O trabalho lhe rende uma média de R$ 300 mensais para sustentar a família.
Valtenci encontra no avanço da tecnologia a razão para que um número tão grande de pessoas viva do lixo. "Isso são as máquinas ocupando o espaço da mão-de-obra humana. Ainda mais para uma pessoa na minha idade. Hoje, uma pessoa com 35 anos já está velha."
Créditos: Moskow

O lixão de Belford Roxo é uma das comunidades mais pobres do Rio

Créditos: Moskow


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quinta-feira, dezembro 22

O seu melhor presente



"O tempo é o maior tesouro que o homem dispõe. Embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento.
Sem medida que o conheça, o tempo é, contudo, nosso bem de maior grandeza. Não tem começo, não tem fim. Rico não é o homem que coleciona e se pesa num amontoado de moedas, nem aquele devasso que estende mãos e braços em terras largas. Rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não se rebelando contra seu curso, brindando-o antes, com sabedoria, para receber dele os favores e não a sua ira.O equilíbrio da vida está essencialmente nesse bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar ou de espera que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas a defrontar-se com o que não é. Pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas".

Trecho extraído do filme baseado no livro de Raduan Nassar "Lavoura Arcaica".

Caros,

Que as comemorações de natal possam acrescentar bons momentos ao indeterminado, porém finito, fluxo que é a nossa existência. Que esse tempo possa ser bem utilizado e aproveitado. Que seja vivido plena e intensamente. E que no seu decurso, desfrutemos toda a liberdade possível, com consciência e reflexão, colhendo o presente como uma dádiva e relembrando, sem arrependimentos, o tempo que ficou para trás.

Feliz Natal!


sexta-feira, dezembro 16

Quem não tem teto de vidro...

Antes de condenar, julguem-se!
Abraços e um ótimo fim de semana!


"Não existe talvez uma só pessoa, por maior que seja sua virtude, que a complexidade das circunstâncias não possa levar a viver um dia na intimidade do vício que condena de maneira mais formal"

Marcel Proust, O Caminho de Swann


" Uma vez que somos todos juízes, somos todos culpados uns perante os outros,

 todos Cristos à nossa maneira vil, crucificados um por um, e sempre sem saber. "

(...)

"Afinal, é isso mesmo que eu sou, refugiado num deserto de pedras, de brumas e de águas pútridas, profeta vazio para tempos medíocres; Elias sem Messias, cheio de febre e de álcool, encostado nesta porta bolorenta, de dedo erguido para um céu baixo, cobrindo de imprecações homens sem lei, que não conseguem suportar nenhum julgamento. Pois eles não conseguem suportar nenhum julgamento, meu caro, e esse é o problema. (...) o mais alto dos tormentos  humanos é ser julgado sem lei. "


Albert Camus, A Queda


sexta-feira, dezembro 9

Sobre o verbo sonhar

A sorte favorece aos que ousam...sonhar.
Bom fim de semana!



"Se alguém sonha, nunca fica parado no mesmo lugar.

Move-se, quase que ao seu bel-prazer, do lugar ou condição

em que se encontra naquele justo momento."

Ernst Bloch, Princípio Esperança





"Quando a criação do novo está em jogo, resignar-se ao provável e ao exeqüível é condenar-se ao passado e à repetição. No universo das relações humanas, o futuro responde à força e à ousadia do nosso querer. A capacidade de sonho fecunda o real, reembaralha as cartas do provável e subverte as fronteiras do possível. Os sonhos secretam o futuro. "

Eduardo Giannetti, O valor do amanhã



"Se o ser humano fosse completamente desprovido da faculdade de sonhar, se não pudesse, de vez em quando, adiantar o presente e contemplar em imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado da obra que apenas se esboça em suas mãos, eu decididamente não poderia compreender  o que leva o ser humano a empreender e realizar vastos e fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática. (...) O desacordo entre o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o ser humano acredita seriamente em seu sonho, se  observa atentamente a vida, compara suas observações com seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha conscientemente para a realização do seu sonho. Quando existe contato entre o sonho e a vida, então tudo vai bem."

Vladmir Lenin, O que fazer?



sexta-feira, dezembro 2

O defeito da vida

 
Abraço grande.


"Nem o sol nem a morte podem ser olhados fixamente"

La Rouchefoucauld


Iniciação

Fernando Pessoa

Não dormes sob os ciprestes,

Pois não há sono no mundo.

O corpo é a sombra das vestes

Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,

E a sombra acabou sem ser.

Vais na noite só recorte,

Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro

Tiram-te os Anjos a capa :

Segues sem capa no ombro,

Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada

Despem-te e deixam-te nu.

Não tens vestes, não tens nada :

Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,

Os Deuses despem-te mais.

Teu corpo cessa, alma externa,

Mas vês que são teus iguais.

A sombra das tuas vestes

Ficou entre nós na Sorte.

Não estás morto, entre ciprestes.

Neófito, não há morte.



" O fato espantoso é que, apesar de toda pretensa valorização da razão fria e de uma postura de completa objetividade diante das coisas, o ideal moderno é viver sob o mais metódico e fantasioso escapismo. É viver como se a morte não nos dissesse respeito. No ambiente moderno, secularizado e tecnicamente aparelhado, a experiência do "morrer antes do morrer", elaboração subjetiva e madura da inevitabilidade de própria morte, foi estigmatizada como uma espécie de anomalia ou morbidez a ser banida do campo de atenção consciente. Na caverna high-tech do alheamento, sob bombardeio de estímulos da grande metrópole, a sombra do efêmero ofusca a luz do mistério. A lâmpada elétrica apaga o céu noturno e o entretenimento eletrônico embala a morte-em-vida em que a consciência da morte adormece. O homem moderno cruza velozmente os ares, mas não mira o cosmos. Ele acumula anos adicionais de vida, mas evita pensar na eternidade (terror soberano) que o apavora. Sendo a morte e sua sombra os principais "defeitos da vida" (todo resto, supostamente, a técnica e a razão remedeiam), tudo se passa como se bastasse ignorá-las para que elas também nos ignore. "

 Eduardo Giannetti, O Valor do Amanhã